As cidades digitais não são apenas lugares utópicos em que tudo parece funcionar mecânica e automaticamente. Elas são estruturas e políticas públicas que facilitam a vida do cidadão comum, diminuindo a burocracia e ampliando a participação política. E engana-se quem acredita que essa discussão é apenas virtual.
Se sua cidade colocar serviços burocráticos simples em sua página na internet, o cidadão não só economiza tempo (já que não precisaria sair de casa para resolver aquele pepino), como também financeiramente (pois, como disse, não precisará sair de casa e economizará o dinheiro do transporte, estadia, alimentação e tudo o mais). Sem precisar ir a um determinado local para resolver o problema, serão menores as filas, o tráfego na região e até o espaço destinado para o arquivamento dos documentos em forma física (se resolvido virtualmente é mais fácil deixar hospedado em bancos de dados na rede).
A cidade de Nova York, por exemplo, publicou em 2010 um guia sobre seu planos para tornar a maior metrópole do mundo em referência no uso das tecnologias em espaços públicos. E, para se ter uma ideia, os esforços para disponibilizar e abrir os dados dos 350 departamentos da prefeitura geraram e atraíram mais de US$ 6 milhões em investimentos do setor privado, isso por causa de aplicativos para celular, sites e start-ups que surgiram graças à abertura.
O governo da cidade separou a ação para torná-la mais digital em quatro pilares: acesso à tecnologia, governo aberto, engajamento e indústria.
Para possibilitar um serviço digital de qualidade, todos os cidadãos devem poder acessar à internet e usufruir a ferramenta. A prefeitura quer investir para que cada vez mais espaços públicos, como parques, praças e até estações de metrô, tenham conexão à internet. O Bryant Park é um grande exemplo de conectividade em áreas abertas, provendo internet gratuita ao público desde 2001 (até comentei rapidamente sobre ele aqui).
Desde 2010, muitas discussões sobre governo aberto têm acontecido por aqui, inclusive tendo o Brasil como pioneiro e abrindo espaço para que a transparência de órgãos públicos seja uma realidade. E, além de dados e tudo o mais, é importante abrir a comunicação com o público, promovendo canais para que qualquer um possa ser atendido. Nova York estima que cerca de 24 milhões de usuários frequentam seu site por ano. O tumblr, com notícias rápidas e constantes sobre a parte digital do governo, facilita ainda mais a divulgação e dá avisos importantes, como aconteceu quando o furacão Irene atingiu a costa oeste dos Estados Unidos. Além disso, é importante ressaltar que todos os dados disponibilizados pela prefeitura estão com a API aberta, ou seja, qualquer desenvolvedor pode reutilizar de uma outra forma.
E quanto mais pessoas envolvidas em todo o processo, mais resultados se têm. Os “hackatons” foram organizados para que funcionários, desenvolvedores e curiosos se reunam, discutam e produzam em cima dos dados disponíveis. Neles, se propôs um redesenho do site atual da prefeitura, um serviço de busca de ocorrências baseado no CEP do morador e um serviço de perguntas direto ao governo. Ao todo, são mais de 250 canais em mídias sociais para o cidadão interagir com as autoridades, gerando aproximadamente 1,5 milhão de seguidores.
Por último, há a preocupação de expandir ainda mais o número de startups que utiliza as informações abertas como modelo de negócio. Para se ter uma ideia, o prefeito Michael Bloomberg até ampliou as formas de imigrar as startups para a cidade, além de criar um campus apenas para engenheiros em parceria com a New York Economic Development Corporation. Há diversas parcerias também para que não se precise criar serviços do zero e se estimule com que serviços populares possam também servir de canal de comunicação com o governo, como o Twitter, tumblr, Foursquare e Facebook.
No Brasil, há vários experimentos e projetos para viabilizar com que as cidades digitais sejam uma realidade, como o Plano Nacional de Banda Larga e a Lei de Acesso à Informação. Mas o mais importante é ressaltar que essas mudanças não são apenas no plano virtual, mas também influem na relação entre os cidadãos e a sua cidade, na parte física. Quanto mais fácil for para o cidadão resolver a burocracia com o governo ou ter voz para reclamar e apontar defeitos, mais bem resolvida será sua relação com a cidade e melhor será o convívio nela – ou seja, no fim, isso reverte em qualidade de vida diretamente. Eu gosto de chamar isso de “urbanismo tecnológico”, que é como pensar nas estruturas da cidade com o viés digital e da tecnologia.
Em breve, assim como acontece em Nova York, todas as cidades terão alguém para pensar nessa estrutura digital, até isso estar inserido na sociedade de forma orgânica e todos já considerarem isso como algo essencial, assim como se pensa em mesas e cadeiras para se trabalhar.