Em 2006, fiz como meu TCC em jornalismo, um livro-reportagem-biográfico sobre Caio Fernando Abreu, Caio F. Queria mostrar as singularidades da vida do escritor com as dedicatórias dos contos de seu, talvez, mais conhecido livro “Morangos Mofados”. Para tanto, fui atrás das pessoas citadas para cada texto e tentei descobrir “os mofos” na memória que elas ainda tinham depois de 10 anos da morte do escritor, por consequências da AIDS.
Para mim, foi uma viagem no tempo. Entrei em contato com narrativas de uma contexto cultural completamente alheio a mim, mas que seguia com suas consequências nada esperadas. “O sonho acabou”, escutei repetidamente durante as entrevistas. Mas qual era o sonho? Para alguém de uma temporalidade diferente, que vivia a consequência errada do sonho, entendê-lo não era só uma questão racional, de demandas e anseios que poderiam ser resumidas em frases. Era, sim, uma exploração sensória, de compreender o otimismo e a utópica construção de uma nova sociedade, a qual trabalhava muito mais nos commons do que na individualidade. O meu modo de me enganar que tinha me transposto no tempo era me embriagar, escutar todas as músicas que eram citadas nos contos e nas entrevistas, relembrar cada segredo e choro confidenciados a um inexperiente escritor, e escrever da forma que o texto quisesse vir, seja legível ou não.
O livro final, quando leio hoje, está uma bosta (embora tenha tirado uma boa nota na banca), mas a partir dessa experiência passei a entregar cópias dos “Morangos Mofados” para pessoas importantes que passaram pela minha vida. Sejam amores, amizades, ou até mesmo aparições fugazes no meu cotidiano: se de alguma forma eu acreditasse que aquela pessoa tenha sido importante para a construção do meu ser, lhe dava uma cópia. Não tinha o intuito de que elas entendessem, ou acreditassem que a obra de Caio iria mudar suas vidas. Nada disso. O intuito era apenas um presente — e, no fim, um presente para mim.
Digo tudo isso porque hoje, por meio desses rastros que deixei por aí graças ao trabalho de Caio, identifico facilmente uma trajetória que não foi nada individual ou sozinha. Em 2016, farão 20 anos que Caio nos deixou. Em 2016, farão 10 anos que plantei essas migalhas de pão para não me esquecer que minha existência, até agora, foi também bastante sensível e compartilhada.
A quem recebeu suas cópias, fica aqui a explicação e o agradecimento. O presente foi bastante egoísta, mas a experiência fica com todxs nós.
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