Vocês nem sabem as dores pelas quais esse coração já passou. Chega a me doer de verdade de lembrar quantas dores foram pela mentira. Ai, ai. Dizem que coração calejado é terreno fértil para o amor. Para mim é mais um cemitério. Um deserto de almas. Se passa a vida, se deixa a alma. Mesmo quando fico o dia a varrer a área, sinto aquelas vidas se debatendo aqui dentro, ó. Em situações bem pequenas, assim. Eles estão lá. Doidos para sair, me ferir. Daí volto para a louça. Deixo a água escorrer pelas minhas mãos. E eles se vão. A água leva tudo. Mas até secar tudo de novo. E fico a lembrar das dores que esse coração já passou, mesmo em situações assim, bem pequenas. E são coisas que nem para compartilhar com as comadres dá. Porque dores nossas são escritas em outra língua, em uma que só a gente entende. Se mostra a cicatriz, mas vai entender o corte… humpf. Esse só a gente entende. Quantas noites mal dormidas. Quantas lágrimas escondidas em pacotes de biscoito no ônibus. Humpf. Só a gente mesmo. Mas eu gosto de pensar, também, que todas essas almas são meus amuletos. São pedacinhos de vida que eu roubei e que, hoje, são lugares para se escapar em algum momento. Ah, o Jonas. Ele eu sempre seguro na mão quando sai um gol do Mengão. Me ensinou tanta alegria. Já o Rabeco eu o deixo preso dentro da calcinha. Esse daí não presta, por isso que fica bem ali, só para sentir o cheirinho mas nunca mais ter. Ai, são tantos. Só não falo do Mauri. Esse daí eu guardei no peito. E dele não falo mais. Já tá bom demais. Deixa meu deserto em paz, porque se cavucar demais quem vai ficar com calo é você.