O grito da sociedade civil

Já a alguns anos, está cada vez mais fácil perceber que existe um poder no mundo que precisa criar mais espaço e soltar mais a voz: a sociedade civil. Embora haja, claro, diversas organizações por aí que tentam representar essa massa, há anos não se via articulações e um poder cada vez mais forte e determinante de pessoas comuns, físicas, procurando novas formas e processos para a sociedade. E, acredito, muito disso tem a ver com a internet.

Há meses, estou envolvido com a elaboração e produção do Festival BaixoCentro, evento que já comentei diversas vezes (aqui e aqui). A singularidade dele, além de ser um festival que promove a ocupação das ruas do centro de São Paulo, é que foi financiado e ajudado por pessoas físicas, inteiramente pela sociedade civil. Não há empresas, organizações não-governamentais ou até o próprio governo por trás das mais de 100 atividades que ocuparam as ruas da região. Nenhuma apresentação do Festival pediu permissão oficial.

Por lei, as pessoas podem e devem se apropriar dos espaços públicos, conquanto não haja degradação do patrimônio. Para que pedir autorização, então? Cultura e arte são orgânicas, emergentes, simples. Não se deve criar burocracia ou impedir com que a população usufrua de algo que ela mesma financiou: os espaços. Deve-se, pelo contrário, estimular com que as pessoas saiam de seus apartamentos, usem a praça e vejam e conversem com seus vizinhos. A meta é criar atividades para fazer pontes, criar relações e tirar esse concretismo que existe, hoje, na vida na metrópole.

O Festival, só por divulgação pela internet, tentou promover isso em uma região que sofre com os vários problemas que surjem por uma cidade ser grande demais. É a disputa pelos espaços públicos: entre ações policiais agressivas e catastróficas e atividades culturais, qual você escolhe para ter na esquina de sua casa? Os projetos enviados, as articulações e as divulgações da programação, além da própria cobertura dos eventos, foram feitos usando as ferramentas de rede. Listas de e-mail, grupo e fanpage no Facebook e sites para discutir e pedir materiais que ainda faltavam.

Essa realidade feita apenas pela sociedade civil e contando com a colaboração entre todos que acreditam no poder da arte me lembra muito a articulação também de grupos auto-gestionados, como o Annonymous ou o Occupy Wall Street (comentados aqui e aqui). São pessoas insatisfeitas com determinados aspectos da sociedade e que buscam mudar procurando não as autoridades, corporações ou entidades, mas sim outros pares, pessoas iguais que tem um pouco para doar pela causa. E juntando o pouco de cada um se constrói movimentos grandes que transformam as ruas em pistas de dança ou praças em símbolos de descontentamento contra o sistema.

É a verdadeira economia criativa. O dinheiro é esquecido e a habilidade de cada um é usada como moeda de troca. Vale muito mais a relação entre as pessoas e o comprometimento com a causa do que simples créditos ou a possibilidade de comprar algum material supérfluo. A humanização do processo de trabalho como forma de modificar sistemas ou estruturas de cidades.

Para quem está envolvido em movimentos desse tipo é de encher de esperança e acreditar que, em breve, viveremos uma outra realidade de processos. As ruas serão mesmo para dançar, os sistemas serão mais humanos e todos usarão as ferramentas ao seu redor para promover seus trabalhos e suas atividades.

O humano, por fim, como meio de hackear o sistema.

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