A multidão percorre seus olhos além de meu corpo. Eu me sinto dono de todos. Um vão entre as pessoas se abre para que eu, alado, passe na contramão. Eles me obedecem. Eu sorrio. O tempo nublado combina com o preto dos paletós, guarda-chuvas, vestidos e casacos dos transeuntes. Minha vestimenta também, mas bem menos elegante. As pessoas seguem seu fluxo, eu na contramão. Em um piscar de olhos, a avenida Paulista é esvaziada. Sem carros, sem vozes, sem passos. Apenas eu, alado, sigo andando, sentindo o peso do asfalto em minhas mãos. Com um simples movimento, sinto que posso mover prédios, ferros, casas e bancos. É tudo meu. O poder segue nas minhas veias. Minhas asas se abrem em um espreguiçar. Em mais um piscar, tudo volta. Os passos, as vozes, as buzinas. Sinto até a última batida de moedas dentro do bolso daquele executivo careca. As pessoas são partes do meu coração. E elas olham além-mim. Eu não faço parte delas, enquanto elas fazem parte de mim. Pulem, riam, corram, gritem. Bonecos. E eu sigo na contramão, sozinho, alado.