E esse deus que mal sabe o que está acontecendo aqui embaixo? E me manda umas lágrimas enferrujadas para que eu saiba que, sim, estou viva. No meio de tudo isso que tenho feito, sei bem que ele não sabe nada. E por ser ignorante, me manda chorar. Bobinho. Eu sou forte, lindinho. Tenho sete caveiras só no braço esquerdo. E, advinha?, eu sou destra. Perdi as contas já de quantos cruzamentos de vida essa direitinha aqui já resolveu. O meu amor diz que prefere a esquerda para fazer coisas de amor. "É mais limpa", sussura no meu ouvido. Acha que não carrega as cargas desse entruncamento de vida. Eu acho uma bobagem, mas confesso que adoro fodê-la com a esquerda. Parece que, assim, eu carrego os dois mundos no meu corpo: de um lado o amor, de outro a morte. E não é assim que tem que ser? É por isso que só uso a esquerda em gentes que eu tenho muito apreço. Não é qualquer um não que tem esse privilégio. Para cada caveira marcada no meu braço, foram muitas lágrimas que esse deus aí mandou para mim. Ave, sem nem ao menos saber o que passa por aqui. E ainda têm várias pessoas que acreditam nele, né? Mesmo o chefinho, quando está com uns apertos com a polícia ou com os que fornecem, fica ali, na frente de todo mundo, de joelhos e falando com as nuvens. Eu acho graça, porque têm umas nuvens que se parecem com cachorros, outras com cactos… outro dia vi uma que me lembrou aquele apresentador de TV que faz aquele programa, sabe? Pois então. E ele de joelhos na bocada falando com o apresentador de TV lá no céu. E eu rindo por dentro, porque nessas horas não pode rir por fora. Tem que mostrar respeito. Qualquer um pode acreditar no que quer, né? E eu acredito que ele não faz ideia do que eu faço aqui. Na verdade verdadeira, acho que ele nem se importa com a gente. Deve estar lá, com aquela barba branca, comendo vários pães e bebendo garrafas e garrafas de vinho. Até acho que deus é francês. Bon vivant, como falaram na novela esses dias. E por que um francês se importaria com as coisas que eu faço, né?