{Publicado originalmente no blog Trezentos.}
A Virada Cultural, todos os anos, traz a polêmica sobre a real utilidade de 24h de cultura concentrada no centro de São Paulo. As discussões vão desde o montante gasto pelos cofres públicos para gerir todas as atividades, até quais os reais critérios da curadoria para selecionar aquela e não esta atividade. Neste ano, parece que a Secretaria decidiu em vez de colocar apenas um curador, criar uma equipe que será dedicada a estabelecer quais atividades acontecerão em quais locais.
A classe artística (seja lá quem ela for) tem todo o direito em questionar os verdadeiros critérios que orientam as escolhas das bandas que tocarão nos palcos. Historicamente, vemos uma concentração de atividades mais populares em regiões já tradicionais para estes tipo de show (cruzamento da Ipiranga com a São João, Vale do Anhangabaú, Praça da Sé, e por aí vai) e pulverização de outras atividades por outros lugares da cidade que, muitas vezes, nem transporte público acessível se tem. Mas não será uma equipe de curadoria que resolverá este problema, até porque pode-se jogar a discussão para um outro lado: quem curou os curadores? O que a Virada Cultural realmente precisa é uma representatividade das regiões e bairros da cidade como parte da programação.
Em uma entrevista a TV Trabalhadores, Sérgio Mamberti, diretor da Secretaria de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, afirmou que o Festival BaixoCentro, colaborativo e horizontal, é a verdadeira Virada Cultural. E não acho que seja somente pela questão da ocupação das ruas, mas sim, acredito, porque qualquer um tem a possibilidade de se apresentar em sua região. Desde o músico que está começando a sua carreira até os que já percorram longos caminhos na estrada têm a mesma oportunidade de montar a sua banda na praça pública ao lado de casa, com a possibilidade de interagir com um público vasto, diverso e interessado.
A Virada Cultural, da forma que está estruturada hoje, impede com que a verdadeira expressão cultural de uma região emirja para ocupar as ruas. São, na grande maioria (acho que excluindo os CEUs e alguns locais mais distantes do centro de São Paulo), atividades de fora daquela localidade ou com atuação a-geográfica. A meu ver, a Virada, pelos valores e energia investidos, deveria ser um retrato cultural do que é a cidade hoje. Deveria abrir caminhos para que nossas possibilidades artísticas e sonoras estejam disponíveis ao público de graça e sem burocracia.
É focado neste modelo que acho, por exemplo, que as subprefeituras deveriam exercer um papel atuante neste processo, sendo o caminho prático e rápido para que a comunidade de uma determinada região aponte e estimule a produção cultural que existe ali. Em vez de confiar apenas em uma equipe de curadores, estimular com que pequenos outros palcos e locais de apresentação sejam estruturados para que estas atividades locais possam emergir. E isso poderia acontecer com uma simples chamada pública e cadastro pelas subprefeituras, em que o proponente precisaria necessariamente comprovar algum vínculo com o local escolhido pela apresentação (não necessariamente moradia fixa, mas vínculo afetivo e também prático). As subprefeituras precisam exercer um papel mais ativo nas comunidades das regiões, e não ser apenas organizadoras de burocracia ou reuniões do Conseg (Conselho de Segurança). Cada uma precisa ter um departamento cultural atuante, em parceria com a sociedade civil, para estimular as atividades naquele bairro e promover a ocupação dos espaços públicos não somente durante a Virada Cultural.
A Virada pode ser o pretexto perfeito para criar essa cultura de envolver a sociedade civil junto às subprefeituras, e fazer um canal direto entre o que as pessoas de um bairro precisam e o que o governo pode prover e facilitar. No fim, a Secretaria de Cultura se tornaria apenas a cabeça que geriria e criaria/pleitearia políticas públicas para suprir as necessidades provindas das diversas regiões da cidade. O evento, então, não se tornaria apenas atividades gratuitas, mas também retrato sobre o que está sendo criado artisticamente em SP.
Uma virada, por fim, representativa.