A carta nunca escrita por alguém que nunca deveria ter escrito uma carta

E aí, veio a vontade de escrever a carta que você nunca escreveu.

O você, neste caso, não é o você que está lendo esta mensagem. Mas o você oblíquo, que passou da zona de conforto daqui para atingir um outro grau de existência. É um você simbólico. Inclusive pela obliquidade de você ser você, não diz tanto respeito a você, mas sim a um ângulo obtuso refletido.

E, nessa, de cada um refletir o Outro, eu escrevo esta carta que você nunca escreveu.

A cada linha dita, a cada lugar vazio, a cada voz não dita, fica o eco de um você que, na verdade, ficou suprimido pela dificuldade de uma outra língua. Foi uma existência de 3 anos comprimida em 4 meses. E, infelizmente meu caro você, só quem viveu essa compressão no tempo-espaço conseguirá entender a dimensão de uma intensidade sentimental praticamente não lida por meros mortais. As máquinas, essas sim, conseguiriam entender com uma facilidade ímpar o que nós, humanos sentimentais, nunca processaríamos. Eles são máquinas, meu caro você. E talvez seja essa interpretação que tenha faltado antes de atingir a obliquidade da existência.

O mundo é, por vezes, extremamente injusto. E a injustiça aqui não acontece por atividades que não deveriam ter acontecido. Mas, talvez, pela ausência da pergunta-mór: para onde o mundo deveria ir? Sem esta definição, como definir o que é realmente injusto? E por existir este buraco semântico, este abismo existencial, é que pode ter facilitado a obliquidade da sua existência.

Eu sempre acreditei que a morte premeditada é infinitamente melhor do que a morte matada, a morte ocorrida, a morte morrida.

E ninguém, nem eu e nem mesmo você, entenderá por fim a dimensão desta escolha. Ela jorra para outros poros, outros lugares, outros ângulos. Em teu caso, meu caro você, a falta presencial atinge outras conjuções geométricas que o seu ato nunca previu. Mesmo que você tenha planejado e previsto tudo que sua mente poderia construir, que tenha retirado todo o dinheiro do banco e de sua bolsa de estudos e que o tenha destinado a quem você amava, as consequências acontecem em ondas muito além do que simples atos. A fundação que bancou seus estudos, por fim, pediu o dinheiro de volta. A musa de sua obliquidade resolveu devolver o que, por direito geométrico, lhe pertencia. O seu corpo, símbolo de uma situação oblíqua e que carrega a mensagem, apodreceu por sete dias sem nem ao menos alguém entender o porque. Os amigos, que lhe questionaram como você estava, ainda esperam pela resposta nunca enviada.

Embora a obliquidade possa parecer a resposta certa para um ângulo deveras reto, as consequências de trespassar o estabelecido, às vezes, vai muito além do que até o Outro refletido, o obtuso, poderia te aconselhar.

E isso eu posso dizer bem, meu caro você: os obtusos ficaram estarrecidos. Até aqueles que não batiam com seu reflexo, mas mesmo assim continuam obtusos, questionam toda a vontade de passar o reto. E se essa era realmente a vontade, o que eu ainda considero como hipótese, não deixa de trazer a pergunta-mór consigo: por quê? Qual era o mundo que deveria vir desta injustiça?

E, daí, cria-se o silêncio, as lágrimas, o muco do nariz. E na conclusão, meu caro você, é isso que sobra. O que deveria vir depois?

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