É difícil pensar em nosso mundo sem ver pelo viés do capital ou do consumo. Essa orientação estranha faz com que não percebamos a realidade sobre determinado objeto, ação ou até mesmo inovação – e a tecnologia, infelizmente, é uma das mais afetadas pelo viés mercadológico das criações. Como analisar o novo sem pensar em mercado?
Para o público leigo, ler as ideias que rondam o software livre e o conhecimento compartilhado pode causar estranhamento e provocar uma certa desconfiança sobre a verdadeira utilidade e realidade dos projetos. Com o tempo, porém, se vêem iniciativas e inovações que marcam o idealismo e a criatividade, e não apenas o mercado ou o lucro.
Somos cyberpunks de chinelos, para usar a classificação que Felipe Fonseca (FF) cunha para intitular seu artigo escrito em 2009, mas que agora é republicado no pequeno livro Laboratórios do pós-digital. O FF é um dos articuladores e representantes de rede MetaReciclagem, que eu já comentei sobre aqui.
E para seguir com suas palavras: Em determinado momento, a mistura de competição e ganância causou um desequilíbrio nessa equação [do lucro e do consumo], e hoje existem possibilidades tecnológicas que podem ser usadas para a busca de autonomia, libertação e auto-organização – não por causa da indústria, mas pelo contrário, apesar dos interesses dela. As ruas acham seus próprios usos para as coisas, parafraseando William Gibson. Em algum sentido irônico obscuro, as corporações de tecnologia se demonstraram muito mais inábeis do que sua contrapartida ficcional: perderam o controle do que um dia imaginaram exercer.
Os laboratórios experimentais surgem nessa realidade como o respiro necessário para que se pense em inovação sem se culpar pela falta de nicho ou público consumidor. Não existe mais a possibilidade de se ver a construção tecnológica apenas como meio econômico e ignorar o social. A tecnologia está inserida no meio ambiente, e não há como retirá-la de lá. Ainda, o sistema econômico como conhecemos já demonstrou algumas falhas e possíveis colapsos. E, como salienta FF, o Brasil deixou de ser o país do futuro para se tornar o futuro dos países. Em vez de nos tornamos primeiro mundo, os países mais desenvolvidos terão os problemas – e criativiadade – tão comuns à realidade brasileira.
FF também conta um pouco sobre suas experiência e pesquisa no o projeto Rede//Labs, que investigou o conceito e construção destes laboratórios experimentais em território brasileiro para o Ministério da Cultura e culminou com um encontro presencial com uma rede de cerca de 50 pesquisadores, pensadores, produtores e curiosos durante o Fórum da Cultura Digital Brasileira 2010 (encontro do qual eu tive a oportunidade de participar).
Parece complicado montar um laboratório desses, mas como explica o autor: Algumas dezenas ou mesmo centenas de projetos em todo o Brasil têm potencial para tornarem-se esse tipo de interface [ponto de comunicação entre dois campos]. Só precisam tomar algumas decisões. Preocupar-se menos com a ideia abstrata de público e de oficinas de formação, e mais com o desenvolvimento de tecnologias em si, solução de problemas. Tentar cirar um ambiente acolhedor, que receba visitas não agendadas sem intimar as pessoas. Que proporcione liberdade de ação e facilite a criação colaborativa. Que tenha um mínimo de infraestrutura (cadeiras, bancadas, tomadas, cabos de rede)
O livrinho pode ser baixado gratuitamente pelo site, mas é recomendada e incentivada a doação para que o autor se dedique mais à exploração desses conceitos. Ou, então, pode-se comprar a versão impressa pelo Clube de Autores, mas por um preço um pouco mais salgado (para mim, o livro chegou a custar R$ 36 por causa do frete).
Vale ler!
6 Comments
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[…] “Cidades, coisas, pessoas”: o Felipe Fonseca, autor do livro Laboratórios do pós-digital, escreveu um texto em parceria com o Centro Cultural da Espanha apontando iniciativas que usam a […]