Quando se pensa nas alterações que a tecnologia fez no meio urbano, dá aquela impressão que são apenas para o futuro, que estão distantes da nossa realidade. Na verdade, elas estão muito, mas muito mais perto de nossas vidas e, inclusive, já modificaram e muito como lidamos com as cidades.
Acho que uma das maiores invenções que possibilitaram essas mudanças foi a democratização do uso do GPS. Os celulares, agora, viraram mapas, que nos orientam e nos fornecem outras informações que, até então, não tínhamos para explorar o meio em que vivemos. O post que escrevi sobre a ubiquidade cartográfica dá uma ideia de como é difícil ver limites nas possibilidades que isso traz à vida cotidiana.
E vários aplicativos de smartphones também usam a ferramenta de geolocalização para tarefas gerais – bem gerais, por sinal. Pesquisando sobre a mudança de percepção do cidadão com a cidade e o urbanismo, achei a iniciativa chamada Elastic City, que promove caminhadas pelo meio urbano lideradas por artistas com o intuito de mudar a percepção sobre o ambiente em que vivemos (falarei melhor deles em breve). Uma dessas caminhadas me chamou a atenção pelo improvável e por nunca ter pensado como um aplicativo pode mudar a interrelação de uma comunidade inteira.
Jacob Gaboury, doutorando pela New York University, pesquisa como as mídias são usadas para retratar a comunidade gay, incluindo, claro, as novas tecnologias. Querendo fazer algo durante a parada do orgulho da comunidade, Jacob elaborou, junto com Todd Shalom (criador do Elastic City), uma caminhada denominada “Findr”. O intuito era usar o aplicativo de relacionamentos “Grindr” como meio de comunicação para atividades durante a parada.
Para entender: o Grindr é um software gratuito muito usado pela comunidade gay masculina para encontrar parceiros – principalmente sexuais –, já que usa a geolocalização para achar outras pessoas por perto. Por meio dele, pode-se trocar mensagens e enviar fotos. Para se ter ideia da popularidade do aplicativo, em 2011, eles registraram 3,5 milhões de usuários cadastrados em 192 países, sendo que 71 mil ficavam online simultaneamente.
O que isso tem a ver com a mudança de percepção com a cidade? Praticamente tudo. Por se tratar de uma comunidade que, claro, quer necessariamente encontrar semelhantes, há espalhados por todos os lugares bares, boates, cafés e todo os tipos de estabelecimento com foco no público gay – sendo muitos locais para paquerar. Com o Grindr, esses estabelecimentos perderam um pouco o sentido, já que se pode achar um parceiro por perto apenas por meio do celular. Não há mais a exigência de se sair de casa para procurar alguém. É só trocar algumas mensagens, enviar algumas fotos e se encontrar logo em seguida.
Jacob acredita, ainda, que outros aplicativos similares podem reestruturar mais o espaço urbano. Para tanto, ele cita o livro “Times Square Red, Times Square Blue”, que, entre tantas outras coisas, narra a mudança urbanística que a região hoje conhecida como Broadway, em Nova York, passou de cinemas pornográficos para teatros para musicais. É uma história que está por trás de regiões famosas hoje, mas que poucas pessoas têm acesso ou interesse no momento para pesquisar. Jacob, então, pensou em criar um aplicativo que visualizasse as histórias de encontros amorosos que aconteceram naquele determinado local ou estabelecimento. Dessa forma, a relação com a cidade não é mais unidirecional, com o cidadão interagindo com a infraestrutura, mas bidirecional, com a estrutura contando uma narrativa em que ela é coadjuvante ou protagonista.
De qualquer forma, é interessante ver que um aplicativo desenvolvido para agilizar encontros amorosos possa mudar a relação que temos com a cidade e, até, fechar estabelecimentos que viram seu público esvaziar.