Arte Digital no CNPC: “aparelhamento” ou peça de manobra?

Antes de mais nada, é importante salientar e explicar a importância de um órgão como o Conselho Nacional de Política Cultural. Composto pela sociedade civil e pelos diferentes órgãos que compõem o Sistema MinC, o CNPC é um órgão de comunicação direta entre a sociedade civil artística organizada e o Executivo responsável pela implementação de  políticas culturais. É um mecanismo de participação democrática direta na definição de quais políticas públicas são ou serão prioridades para cada setorial artístico ou de Patrimônio (que engloba desde circo, arte digital, culturas indígenas e políticas de livro, leitura, literatura e bibliotecas, etc). Logo, é um mecanismo que deve ser estimulado, legitimado e divulgado para que tenhamos cada vez mais meios de conversar diretamente com o governo federal. Mas é preciso também dar tempo para críticas de forma que possamos cada vez mais melhorar os processos de participação.

Na semana passada, aconteceu no Rio de Janeiro o Fórum Nacional Setorial em que seriam eleitos os colegiados de sete linguagens artísticas: teatro; circo; dança; música (popular e erudita); livro, leitura e literatura; artes visuais; e, por fim, arte digital. Eu estou como delegado de arte digital por São Paulo (já que o eleito Felipe Fonseca e o candidato com o mesmo número de votos que eu mas mais velho William Figueiredo não poderiam ir ao Fórum) e, logo, participei da votação para o colegiado. O que era para ser um espaço para se discutir políticas públicas e planos para o biênio 2015-2017, virou uma discussão para deslegitimar o próprio setorial e valorizar uma coordenação dentro do Ministério da Cultura, tudo isso orquestrado por membros do governo que deveriam ser apenas mediadores dos debates.

Por causa da estruturação do colegiado e pela falta de informação sobre o que é essa linguagem artística, desde a formação do setorial já se viu a necessidade para a criação de um outro que se discutisse cultura digital de forma mais ampla (veja a moção apresentada pelo primeiro colegiado do setorial). É uma demanda constante que precisa ter respaldo dentro do Ministério de forma a não prejudicar o trabalho deste setorial que precisou de anos de articulação e um abaixo-assinado com mais de 700 nomes para que acontecesse. Por causa dessas discussões (ou falta de), a FUNARTE, órgão do Sistema MinC que deveria orientar as conversas do setorial, não se posiciona como representante governamental, o que gera um vácuo de articulação para as políticas públicas a nível federal. Vendo esta situação, a Coordenação-Geral de Cultura Digital, capitaneada por José Murilo, se aproveita e resolve coordenar a discussão do setorial para colocar à votação, durante o nosso Fórum, se cultura digital deveria ser abarcada no próprio nome do setorial. Em outras palavras, o governo impôs uma pauta à sociedade civil de forma a reestruturar um setorial organizado e articulado legitimamente pela própria sociedade. Não foi uma pauta que surgiu pelos próprios delegados, mas sim imposta por representantes do governo à sociedade para fins que não atendem o setorial em questão.

É importante frisar que essa discussão imposta por José Murilo, além de ser completamente inoportuna, vai na contramão das definições e trabalhos da gestão anterior do colegiado. Durante o biênio passado, o colegiado discutiu a questão exaustivamente e decidiu, por fim, para seu regimento interno que está ainda em construção, não incluir cultura digital em sua estrutura. Ou seja, além de ter sido uma articulação para fins próprios, ignora completamente o trabalho construído pelos delegados eleitos anteriormente. Isso, para o setorial de arte digital, é extremamente desarticulador, uma vez que cultura digital é um tema muito mais amplo do que uma linguagem artística. Contemplar e abarcar a questão da cultura em um setorial de arte não só deslegitimaria a linguagem, como também traria mais confusão sobre como pautar políticas públicas para o setor (há anos que o setorial de arte digital tenta uma representação dentro da Secretaria de Audiovisual e FUNARTE e, até hoje, é ignorada).

Por que o governo, na forma representada pelos seus mediadores, impõe a desarticulação de um setorial que já está na luta há anos para conseguir mais espaço e incentivar a inovação tecnológica do país? Isso pode se tornar uma grave ameaça ao processo democrático tão importante e raro do CNPC.

Toda essa situação (além também da imposição de se trocar as regras já contempladas no regimento) demonstra que a legitimidade do CNPC como um todo ainda padece de melhorias na própria estrutura do MinC. Isso ficou provado pela falta de assinaturas na ata da votação, já que a situação ficou caótica por conta dos mediadores e todxs se esqueceram de passá-la ao final. No fim, só resta a dúvida: essa eleição foi legítima?

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