A balança

De um lado, a criação.

De outro, o deserto.

Daqui, pula-se, grita-se, chora-se, muda-se.

De lá, ranhuras, ventos, pro-fun-di-da-de, certezas. Nem um verde, nem um para-cima. Seres todos embaixo da terra. Vida só sob camadas e mais camadas de algo que poderia ser gerador, mas que ficou estéril por significância.

Daqui, vida é por geração espontânea. Pá! Kabum! Splaft! Mais um ser com oito braços, cinco olhos e cérebros acoplados para pensar em subjetivações, orientações e afazeres. Cores. Construções. As lendas são as firmações, impossíveis de adentrar o terreno fértil. O mundo fica pela superfície, modificando-se e não deixando nenhum rastro. Passageiro.

De lá, olha-se com inveja.

Por aqui, com curiosidade.

As fronteiras, vezporoutra, se encontram.

De lá, suga-se tudo que puder para tornar o deserto, estéril, um pouco mais colorido.

De cá, projeta-se o peso do estável, das estruturas formais que asseguram algo sem solavancos.

De lá, vê-se o colorido virar cinza.

De cá, da âncora faz-se a tristeza.

De lá, se tem algo novo, porém sem a cor e a beleza de uma criação natural. É uma criação roubada, diriam alguns.

De cá, fica a contradição entre a felicidade e a tristeza. Se feliz, solto. Se triste, com lastro. Se feliz, sem lastro. Se com lastro, sem felicidade.

De lá, vê-se a ganância trazida pelo novo-cinza. Risadas altas. Futuros gordos. In-se-gu-ran-ça, porém.

De cá, o rombo que a saudade daquilo que foi roubado faz no meio de tanto caos. Tristeza. Abuso. Mas a convicção de que algo novo – e talvez mais belo – poderá brotar.

De lá, nunca se dá para saber o que poderá surgir, porque, afinal, é um deserto, e o que se cria no estéril? No fim, não existe futuro possível.

De cá, tempos de luto, tristeza e dor, mas a certeza de que há possibilidades adiante.

De lá, a esperteza, o ágil, o "ideias no ar".

De cá, a ingenuidade, o natural e o "apenas ser".

E, por fim, a balança é só uma ilusão.

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