5 razões para demolir o Minhocão

ATUALIZAÇÃO: criamos um abaixo-assinado para pressionar a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara a aprovar um substitutivo ao PL que já está em tramitação e aprova a construção de um parque em suas estruturas. Esta decisão precisa, necessariamente, passar pela aprovação civil. ASSINEM!

Finalmente, o novo Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo foi aprovado (lei nº 16.050 de 31 de julho de 2014, que pode ser lida na íntegra aqui)! Como diz seu artigo 5º, o PDE regerá as políticas de desenvolvimento urbano da cidade seguindo sete princípios: Função Social da Cidade, Função Social da Propriedade Urbana, Função Social da Propriedade Rural, Equidade e Inclusão Social e Territorial, Direito à Cidade, Direito ao Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado e Gestão Democrática. Estes pilares serão os guias para os próximos 16 anos em que moradia, mobilidade urbana e sustentabilidade serão o foco das novas políticas públicas urbanísticas. É a forma para transformar São Paulo em uma cidade mais humana e menos (bem menos) caótica. A aprovação do PDE é um marco por si só, que até foi reconhecido pela ONU como um exemplo a ser seguido mundialmente. Mas há um artigo dentro da lei que ainda vai gerar muita polêmica e discussão:

(Art. 375:) “Parágrafo único. Lei específica deverá ser elaborada determinando a gradual restrição ao transporte individual motorizado no Elevado Costa e Silva, definindo prazos até sua completa desativação como via de tráfego, sua demolição ou transformação, parcial ou integral, em parque.”

Em outras palavras, o Minhocão vai parar. E não é de congestionamento, mas sim desativado completamente dentre de alguns anos. E, segundo o texto, há duas alternativas possíveis a se pensar para a construção: virar parque ou demolir. Há argumentos para ambas as partes, mas eu sou partidário da demolição da construção.

Por quê?

O então prefeito Paulo Maluf comentando sobre o seu novo empreendimento. Rouba, mas faz?
1. Simbolismo – O Elevado Costa e Silva (é sempre bom retomar seu nome original) foi construído pelo então prefeito da cidade Sr. Paulo Maluf. Todo mundo já sabe, mas é sempre bom lembrar: o político é até procurado pela Interpol, a polícia internacional, por desvio de fundos. Só para ressaltar: a Interpol procura Paulo Maluf por pelo menos três acusações de desvios de dinheiro. E tem até quem fale que o viaduto foi construído para facilitar seu trajeto à época da casa ao trabalho. Mas isso são boatos. No verbete sobre o viaduto na Wikipedia, se diz: “O jornal O Estado de S. Paulo criticou a obra, em dezembro de 1970, alegando que ela não tinha ‘um objetivo definido’: A via elevada não é resposta a nenhuma pesquisa de origem e destino da população, não tem um objetivo definido. É apenas uma obra. O prefeito (Maluf) já tentou explicá-la, mas não apresentou nenhum argumento técnico, nenhum dado de pesquisa.” Ainda de acordo com o mesmo verbete, o planejamento para a obra foi elaborado na gestão anterior, do prefeito Faria Lima, que desistiu de seguir em frente pois “(re)conhecia o efeito que tais obras tinham causado em outras cidades”. Outro ponto importante é que desde a sua inauguração, em 1970, o viaduto carrega o nome do ditador que promulgou o AI-5 e iniciou a fase mais dura e repressiva de toda a ditadura militar brasileira. Foi durante a gestão de Costa e Silva que o Congresso foi fechado, políticos foram cassados e a repressão (leia-se tortura) aos opositores foi institucionalizada. Derrubar o Minhocão é destruir estes símbolos da política brasileira e repensar a área longe desta carga ideológica.

Documentário “LUZ”, feito pela Left Hand Rotation, sobre os problemas do extinto projeto Nova Luz, que queria “revitalizar” a área central da cidade.
2. Gentrificação – A construção de um parque elevado virou pauta das grandes cidades do mundo por causa do exemplo que a High Line, em Nova York, trouxe para as discussões urbanísticas. A linha férrea abandonada na cidade dos Estados Unidos foi totalmente reformulada por, principalmente, empresas de design para abrigar um parque suspenso que corta diversos bairros da costa oeste de NY. O que pareceu uma boa ideia se tornou um dos grandes casos de gentrificação acelerada e “luxorização” do espaço público. Em pouco tempo, desde sua inauguração em 2009 (embora os planejamentos tenham começado desde 2001), o bairro teve toda a sua vida cotidiana remodelada para dar vazão ao grande número de turistas que frequentam a região, além dos preços cada vez mais exorbitantes dos aluguéis. De acordo com um artigo publicado no The New York Times em 2012, “embora o parque tenha começado como uma ideia emergente – uma bem abastada -, ele se tornou rapidamente uma ferramenta para a administração do prefeito (Michael) Bloomberg criar uma região nova, rica e corporativizada no lado oeste da cidade. Enquanto as socialites e celebridades comemoravam o design do parque durante suas primeiras etapas de planejamento, angariando o suporte da comunidade com espumantes inebriantes, a prefeitura em 2005 rezoneou a parte oeste do Chelsea para empreendimentos de luxo.” Em outras palavras, o parque foi o trampolim necessário para que construtoras e incorporadoras conseguissem aumentar o preço do metro quadrado na região e criar apenas empreendimentos luxuosos. Tchau, pobres e classe média! Olá, ricos e milionários! Isso não é apenas ruim para quem mora(ou) lá, mas também para o comércio local, que perdeu sua clientela e não mais representa(va) o “novo” bairro. As chances de o mesmo acontecer na região central da cidade, que já passa por grandes questões envolvendo o tema, são gigantescas.

São Paulo na década de 1960! Quero ver quem reconhece a área em que o Minhocão foi construído.
3. Estética – O Minhocão é feio. Muito feio! Não tem nenhum apelo estético ou arquitetônico que argumente em prol da sua manutenção. Nada. Ele é apenas um bloco de concreto que passa a pouquíssimos metros das janelas dos prédios ao redor. Antigamente, quando a via não existia, os moradores da região tinham uma vista horizontal do centro da cidade que ia desde a Barra Funda até o prédio do antigo Banespa. Era um espaço que entrava luz, com respiro, onde os altos prédios apenas emolduravam a vista. Era um convite para uma caminhada, para encontros nas praças da região, para sentir a vida de uma metrópole de forma saudável e não opressiva.

Um parque tem que ter música, pô! Mesmo sem os carros, para quem tem ouvidos sensíveis, o barulho não vai diminuir se virar um parque.
4. Barulho – Este é um dos argumentos mais fracos e que eu menos estou convencido, mas que pode surgir para a derrubada da construção. Se a desativação do Minhocão está também ligada aos transtornos sonoros que o viaduto causa aos moradores ao redor, um parque elevado não vai melhorar esta situação em nada. Considerando as experiências que tivemos durante o “Festival BaixoCentro“, em que usamos o Minhocão fechado aos domingos como palco para atividades artísticas, colocar bandas e outras atividades abertas ao público também não vai agradar os ouvidos mais sensíveis. E, vamos lá, um parque em que nada se pode fazer (como é o caso da High Line) é melhor nem existir. Um parque controlado, com câmeras de seguranças, policiamento intensivo reprimindo qualquer atividade que se considera fora do normal deveria ser marca do passado, e não algo que a gente almeja para o nosso futuro.

Uma das atividades do Festival BaixoCentro foi a “Consigo”, que consistia em pessoas dançando no meio da rua com seus fones de ouvido e tocadores de MP3. Embora embaixo do Minhocão seja escuro, ainda não é o suficiente para fazer uma balada.
5. Pedestres – Andar embaixo do viaduto não é uma das coisas mais agradáveis da face da terra. É escuro, poluído, com goteiras, como se fosse andar dentro de um túnel. O som é chato, o tráfego é ruim, e é difícil prestar atenção nos ônibus que atravessam bem perto da calçada. No fim, o viaduto não é apenas ruim por causa do constante tráfego de carros acima, mas também abaixo de sua estrutura. Sem este teto sobre as vias, o ar pode circular melhor e transformar a região em um lugar um pouco mais agradável para se passar. Já imaginou o que a ausência das estruturas pode causar para praças como a Marechal Deodoro ou Santa Cecília? Só por não existir e tornar a região mais agradável, os espaços públicos que já existem ganham uma outra vida e perspectiva de uso.

Ainda existem vários outros argumentos para a derrubada da estrutura do Minhocão. Eu criei um grupo no Facebook para organizar as discussões e reunir interessados em debater e propor como seria esta mudança na área. Lá também têm informações sobre o PDE e alguns projetos que acontecerão na região para reorganizar o tráfego de carros. Venham e participem! É somente discutindo e debatendo para se criar um real plano para a vida pós-viaduto. Seja você contra ou a favor da derrubada, é super importante já criarmos massa crítica e nos articularmos para pautar a lei que está porvir. Cabe a sociedade civil demonstrar o que quer para o governo, e não o contrário.

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