Ufa!
Depois de 6 anos de pleno sofrimento em relação à Cultura na administração pública brasileira, finalmente podemos sonhar novamente e projetar as políticas culturais que seriam interessantes termos no novo governo, que já sinalizou a recriação do Ministério da Cultura em seu mandato.
Da destruição total desse período, para a criação plena nos próximos anos.
Que alívio!
E já que podemos sonhar novamente, fiz uma lista de 8 discussões que eu gostaria muito de ver no Ministério da Cultura que está a vir.
Obviamente, não são propostas, pois,
- primeiro, não tenho toda visibilidade para indicar o que o governo de transição está pautado para ou quer fazer;
- segundo, acredito que todos os temas aqui listados são apenas pontos iniciais para discussões muito mais profundas que poderiam – e deveriam – demorar meses para se chegar a um consenso e a uma proposta concreta e séria;
- terceiro, o governo de transição foi justamente selecionado para que se façam essas propostas e guie a próxima administração para o que será o próximo governo.
Mas, nós, reles mortais, podemos sonhar e imaginar o que gostaríamos de ver na volta de um Ministério tão importante para o país.
E sonhar novamente é muito bom!
Então, sem mais delongas, vamos às 8 discussões que seriam interessantes ver no novo Ministério da Cultura brasileiro.
E vou começar com uma discussão polêmica.
Para facilitar o acesso aos temas, vou listar os tópicos e indicar o minuto em que eu começo a falar sobre o assunto.
Assim, você não precisa escutar tuuuudo para ir ao tema que você tem mais interesse.
Vamos aos temas:
1 – NFTs (minuto)
2 – revisão das políticas públicas para museus (minuto)
3 – Arte Digital com mais autonomia no CNPC (minuto)
4 – Funarte e o digital (minuto)
5 – digitalização de acervos (minuto)
6 – Leis de incentivo (minuto)
7 – taxação de grandes fortunas (minuto)
8 – não ter nostalgia (minuto)
1 – NFTs
Eu sei, vocês já estão cansados, não querem saber disso, não aguentam mais essa sigla, odeiam tudo que está relacionado a ela e não fazem questão de querer saber mais.
Eu sei, eu sei.
Mas as criptomoedas e os ativos virtuais vieram para ficar e, provavelmente, farão parte de nossas vidas por um boooooom tempo.
Mesmo que a cotação esteja baixa e há casos de intermediárias quebrando, a tecnologia existe e continuará sendo usada.
Ela é muito mais do que apenas a especulação com divisas.
Além disso, a regulação brasileira para as criptos já foi aprovada na Câmara dos Deputados e está só esperando a sanção presidencial para entrar em vigor.
O projeto de lei 4401 de 2021 irá regulamentar todas as intermediárias e a criação de criptomoedas em território nacional.
Segundo alguns especialistas, o projeto é bem amplo e exige que haja no futuro regulação específica, como no caso dos NFTs.
E, como vocês sabem, já que escutam este podcast – e se não sabem, escutem o episódio que eu explico o que é essa tecnologia –, mais e mais museus, instituições culturais e artistas independentes estão usando o contrato para vender as próprias ou derivados de obras.
Há diversos casos ao redor do mundo de empresas que agora fazem parcerias com museus para criar NFTs baseados em seus ativos, ou seja, suas obras de arte.
Um caso exemplar é o da francesa La Collection, que fez uma parceria com o British Museum para vender algumas de suas obras em NFTs (que foram feitas para serem replicadas).
E como mais e mais essa tecnologia está presente no setor cultural, é importante o Ministério já a contemplar em suas próximas políticas e articulações.
Até porquê, como os NFTs ainda não estão regulados dentro do PL proposto, quem irá direcionar as discussões sobre o tema?
Muitos artistas independentes vêem na tecnologia uma possibilidade de vender seus trabalhos de forma mais dinâmica, pois estão longe de grandes centros e não fazem parte do mercado principalmente do Sudeste, e, até, de forma mais justa, já que o contrato pode ser customizado para que ganhem dividendos todas as vezes que a obra for revendida.
No fim, o NFT, se visto como uma tecnologia e não como especulação, pode ser uma ferramenta útil para promover artistas que não teriam outros meios de divulgar seu trabalho e para descentralizar a produção e consumo dos grandes centros do país.
2 – revisão das políticas públicas para museus
Quando o Gilberto Gil foi ministro da Cultura, sua administração criou diversos marcos políticos para a construção e manutenção dos museus.
Desde definições sobre o que um museu é, até a criação de um sistema que, mais tarde, se desdobraria no Instituto Brasileiro de Museus, o IBRAM.
Embora os marcos e as políticas criadas naquele momento foram de extrema importância para o setor museológico, há mais de 10 anos que eles não sofrem alteração e não são atualizados considerando os novos usos e funcionamentos de como o museu atua hoje em dia.
O ICOM, para se ter ideia, que é a entidade que guia o setor museológico mundialmente, reviu em 2022 o significado de museu.
Para a instituição, o significado anterior não abarcava tudo o que os museus fazem hoje em dia, até porque houve uma mudança de paradigmas no uso e na atividade de um museu.
Se antes os museus eram vistos como apenas mantenedores de objetos valiosos para a cultura mundial, ou seja, obras de arte, hoje em dia eles são usados para produção de conhecimento de forma fluída e dinâmica, sem necessariamente se precisar relacionar essa atividade com alguma obra ou processo de conservação.
Os museus, hoje, são espaços de constantes discussões e produção de conhecimento.
Isso, porém, não é refletido na atual definição de museu do governo, que foi feita em 2009.
Segundo a lei de museus:
“Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao público, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento.”
Era essa a definição que estava contemplada até hoje.
Reparem no foco nos “conjuntos e coleção de valor”, ou seja, basicamente as obras de arte.
A alteração do ICOM, porém, contempla outros valores.
Como diz a nova definição:
“Um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade, que pesquisa, coleciona, conserva, interpreta e expõe o patrimônio material e imaterial. Os museus, abertos ao público, acessíveis e inclusivos, fomentam a diversidade e a sustentabilidade. Os museus funcionam e comunicam ética, profissionalmente e, com a participação das comunidades, proporcionam experiências diversas para educação, fruição, reflexão e partilha de conhecimento.”
Em outras palavras, além da questão expositiva e também da preservação, exibição e produção de conhecimento sobre a coleção, os museus também são responsáveis pelas discussões e investigações de outras experiências relativas à produção de conhecimento, sejam elas sobre obras materiais ou imateriais.
Além disso, há o enfoque na comunidade ao entorno do museu, o que antes era muito difícil de se ver.
Se antes, as instituições museológicas tinham como preceito algo mais estático e historiográfico, sem conexão com o lugar onde estão inseridos, hoje os museus são centros de pesquisas sobre os assuntos mais diversos, incluindo o seu redor.
Se saiu de uma perspectiva estanque para uma mais dinâmica e ampla.
Por causa disso, seria interessante ver as discussões sobre políticas públicas contemplando esse aspecto mais amplo do setor, inclusive dando mais espaço e oportunidades para curadores nas mais diversas fases de carreira.
A arte contemporânea, no fim, está muito mais na troca de saberes e na produção de discurso do que necessariamente na exibição de obras de arte propriamente ditas.
Outro ponto importante a se debater é a questão das organizações sociais.
As Organizações Sociais, ou OSs, como são conhecidas, foram uma solução rápida e até eficaz para se driblar a burocracia da gestão pública, dando às instituições mais espaço para contratações e organização de outros eventos.
O grande problema das OSs, porém, é que se entra em uma discussão mais quantitativa do que qualitativa, uma vez que as OSs precisam, necessariamente, prestar contas sobre o valor repassado pelas entidades governamentais e isso se faz majoritariamente com números.
Exposições que não atraem grande público, como de artistas e curadores emergentes ou início de carreira, por exemplo, são deixadas de lado para se dar lugar às exposições blockbusters, ou seja, de grandes nomes e conectados com o imaginário geral.
Somente elas acabam sendo atrativas para se organizar pois, sozinhas, conseguem atingir metas de público e também de alcance de mídia.
Como esse é um modelo que tem sido adotado por diversas instituições no país, é necessário expandir as discussões e regulações para que não haja subvalorização de um trabalho técnico e extremamente especializado e de pessoas que não possuem ou não querem ter a visibilidade de grandes nomes da arte.
3 – Arte Digital com mais autonomia no CNPC
Em 2015, eu fui delegado do Conselho Nacional de Política Cultural, o CNPC, na cadeira de Arte Digital para o Estado de São Paulo.
Naquela época, os conselheiros eram eleitos pela sociedade civil e eu entrei como suplente, mas com a desistência do primeiro colocado, fui como conselheiro.
Essa dinâmica é muito diferente do que temos hoje.
Desde o golpe de 2016, a seleção dos delegados é de forma indireta, ou seja, por indicação do governo, e também majoritariamente por instituições.
A população em geral – que seria representada por CPFs – não pode aplicar para fazer parte do conselho, uma vez que é necessário um CNPJ com anos de atividade na área pretendida.
Isso faz com que muita gente boa, articulada, e que poderia representar o tema por seu estado seja excluída, além de colocar nas mãos do governo a decisão sobre com quem ele quer conversar e discutir as políticas públicas culturais.
Seria muito bom voltarmos ao que era: a uma votação pela sociedade civil para eleger seus pares de forma direta.
Outra questão é que sempre houve um constrangimento dentro da cadeira de arte digital se deveria contemplar cultura digital ou não.
Para quem não sabe como funciona o CNPC, cada cadeira deve ter um setor dentro do executivo que seja responsável por acompanhar as discussões e decisões feitas durante as reuniões do conselho.
Antigamente, a cadeira de Arte Digital ficava sob a secretaria de cultura digital do Ministério da Cultura.
Isso fazia com que as pautas fossem muito mais voltadas à cultura digital, ou seja, tecnologias da informação, inclusão digital, e outras discussões que não tinham muita relação com a produção e fruição de arte digital ou arte e tecnologia.
Durante meu mandato, discutimos diretamente com a Funarte para colocar a cadeira dentro da instituição e, assim, sair da secretaria de cultura digital e, consequentemente, ter discussões mais focadas no setor artístico.
O então presidente da Funarte, Francisco Bosco, concordou e publicou, no dia 11 de maio de 2016, a portaria da presidência de número 119 em que movia a cadeira para dentro do Centro de Artes Visuais da instituição.
Foi um marco histórico em que, finalmente, arte digital estava sendo reconhecida como um tema artístico e não de estratégia digital do Ministério.
A ideia dessa mudança era que Cultura Digital pudesse ter uma cadeira para si só, de forma a que não se misturasse as duas pautas e, assim, as articulações pudessem acontecer mais livremente.
Como sabemos, porém, o golpe veio junto com o desmantelamento das políticas culturais até então feitas e não vimos como essa mudança poderia afetar o setor diretamente.
Hoje, o CNPC, como eu já disse, está em funcionamento, mas com muitas restrições, sendo uma delas não haver mais um site para compilar todas as decisões e discussões feitas pelo conselho.
Antigamente, cada cadeira tinha seu espaço dentro do site do CNPC para publicar e divulgar suas atividades, como uma prestação de contas para a sociedade civil de todo o trabalho realizado.
Atualmente, porém, todos os sites estão fora do ar, impossibilitando averiguar quais foram as pautas discutidas e as moções organizadas pelos delegados nas mais diversas áreas.
O único site que encontrei foi um genérico, dentro do espaço do IBRAM do site oficial do governo, explicando genericamente o que é o conselho.
Enfim, como o exercício aqui é sonhar, seria muito proveitoso ver o CNPC de volta à ativa de forma transparente e retomando estas diversas discussões que foram tão importantes antes do golpe acontecer.
4 – Funarte e o digital
E por falar em Funarte, é indiscutível o sucateamento que aconteceu com uma instituição tão importante para as políticas públicas culturais.
A Funarte, historicamente, teve papel extremamente importante em definir parâmetros e levantar questões pertinentes para o setor artístico em geral.
Eu, por exemplo, em 2010 me beneficiei de uma dessas políticas, quando eu ganhei uma bolsa para pesquisar a produção de arte e tecnologia no Sudeste.
Foram 6 meses intensos viajando e fazendo diversas entrevistas para compreender quais eram as estéticas e os debates que aconteciam quando o assunto era a tecnologia na arte.
Na minha vida, foi um divisor de águas em que, graças à bolsa, eu consegui passar meio ano destinado a pesquisas e a divulgar os diversos conteúdos.
Foi essa política pública, este edital, que no fim me lançou como pesquisador e da qual estou colhendo frutos até hoje.
As políticas públicas de incentivo à pesquisa fora de instituições acadêmicas são extremamente importantes por isso: para descobrir novos talentos e novos profissionais em áreas muitas vezes carentes do devido suporte.
E para fazer um mea culpa aqui também e não ser tão injusto, a Funarte já sofria de um declínio quando o golpe veio.
E, também, embora todo o caos político, alguns administradores durante este período, de 2016 a hoje, tentaram a todos os custos manter a instituição viva, mesmo que por aparelhos.
De qualquer forma, seria ótimo ver um novo respiro na instituição e vê-la voltar a formar pensadores e investigadores nas mais diversas vertentes artísticas.
E, baseado nisso, também seria de extrema importância ver a arte e tecnologia nas discussões promovidas pela entidade.
Desde sempre, a Funarte ignorou esse tipo de produção pelos mais diversos motivos, desde falta de verba para focar em algo além do que já estava previsto – e isso era algo imutável, que nunca conseguia ser atualizado, segundo um dos presidentes da instituição – até falta de interesse dos diretores do centro de artes visuais.
Muitos dos nomes selecionados pela Funarte para dirigir as diferentes áreas tiveram grande carreira nos setores artísticos tradicionais, mas pouquíssimos tiveram experiência com produção de arte contemporânea que envolvesse mídias digitais.
A considerar que, teoricamente, a cadeira de Arte Digital está sob o centro de artes visuais, seria extremamente importante ver políticas públicas para o setor, como incentivos à pesquisa, produção e até curadoria de exposições.
Claro que os desafios de administrar uma instituição com diversos espaços pelo país (só a manutenção deles consome grande parte do orçamento alocado) são gigantes, mas também essa é uma das qualidades.
Tendo já esses espaços para gerir, facilita com que as atividades sejam organizadas e rapidamente se consiga ativá-los com discussões artísticas focadas nas políticas públicas.
Voltar a ter a instituição como ponto importante de discussão das artes no país seria um belo respiro!
5 – digitalização de acervos
Este tema chega a ser um tanto quanto controverso, pois é muito difícil criar políticas públicas que tenham grande efetividade no tema considerando que envolve equipamentos caros e padronizações que dependem da tipologia da coleção.
De qualquer forma, o Ibram, que administra diversos museus públicos, por exemplo, já faz um trabalho exemplar com os museus da rede, principalmente com a taxonomia dos metadados dos conteúdos inseridos no Tainacan, um sistema público, de código aberto, para administrar coleções digitais.
O desafio aqui seria ampliar a digitalização dos acervos brasileiros de forma consistente e gerar um repositório (ou agregador?) online que possa mostrar internacionalmente o valor da cultura brasileira.
Em Portugal, por exemplo, por causa do Plano de Recuperação e Resiliência – conhecido aqui como PRR –, há a demanda – e investimento – para se digitalizar cerca de 90% do patrimônio cultural local de forma a incorporar esses registros à Europeana e, também, divulgar a cultura do país internacionalmente.
A estrutura governamental de Portugal é um pouco diferente da brasileira.
O Ministério da Cultura é dividido em direções gerais, como Artes, Patrimônio Cultural, e Bibliotecas, e depois subdivide-se em direções regionais que se focam em determinadas partes do país.
Isso faz com que se consiga definir especificidades para cada direção regional e considerar o país como um todo, sem ter que criar uma entidade guarda-chuva para todo o território nacional.
A meta para digitalizar quase todo o patrimônio das instituições cadastradas – ou seja, quase a totalidade de museus públicos – é até 2030, com metas para cada ano.
É muito interessante ver uma política pública única que abarca as diferenças regionais e preocupa-se com a digitalização e divulgação do conteúdo nacional.
No Brasil, por enquanto, não se tem algo similar à Europeana, mas é possível se discutir meios de agregar os conteúdos feitos com dinheiro público e espalhados pelos sites brasileiros em uma única plataforma.
O que se quer aqui é divulgar o conteúdo, então não há a preocupação de dividir visitantes ou duplicação de registros – até porque, uma boa discussão seria não causar trabalhos duplicados para equipes tão pequenas quanto às dos museus.
E, depois da pandemia, deixar o digital e a digitalização de museus para trás é um tiro no pé, uma vez que se viu um crescimento gigantesco pela demanda deste conteúdo online.
Outra questão é o que se fazer com esse conteúdo digital.
Hoje em dia, o que basicamente se vê, são os museus colocando suas coleções online de forma bem simples, com apenas a imagem (majoritariamente em baixa resolução); com informações técnicas como título, data, autor, etc – e que nada comunicam com um público amplo –; e sem nenhum tipo de produção de conteúdo ao redor.
É por causa desse vácuo que grandes empresas, principalmente de tecnologia, estão ocupando esses espaços e criando serviços para que os museus e instituições culturais possam “facilmente” criar conteúdos online.
Os grandes problemas são que isso faz com que a equipe do museu duplique seu trabalho, uma vez que eles tem que cuidar do seu sistema interno além do externo da empresa terceira, e também porque a discussão de como as obras de arte devem ser exibidas no digital fica por responsabilidade de uma empresa que de nada tem a ver com a missão e o cuidado do setor museológico.
A fruição do conteúdo digital deve ser uma das preocupações do futuro Ministério da Cultura, justamente para trazer para quem conhece, para quem sabe, o debate sobre como trabalhar com obras no meio digital para um grande público.
6 – Leis de incentivo
Talvez até mais polêmicas que os NFTs, as leis de incentivo à cultura devem voltar a ser pauta do governo.
Durante todo o golpe, nós vimos a Rouanet ser usada a torto e a direito pela extrema direita como desculpa para aniquilar a cultura do país.
E ela não foi somente usada dentro da cultura, mas, também, para o crescimento – ou ressurgimento – da polícia dos bons costumes e, com isso, angariar votos para a eleição que estava por vir.
Enquanto mamadeiras de piroca voavam pelo imaginário dos agressores da extrema direita, sem mais nem menos, diversos artistas e instituições se viram sem possibilidades de buscar financiamento com as empresas privadas por causa da extinção do recurso mais usado até então para financiamento de projetos culturais.
Além disso, há grande receio no Brasil – e também por não ser muito vantajoso economicamente, mas sim extremamente necessário culturalmente – de se investir diretamente, sem incentivos, nas manifestações artísticas.
Deve-se urgentemente voltar a discutir meios de conseguir facilitar o investimento de empresas no setor cultural.
Mas um ponto importante: não acredito que a volta da Rouanet seja a melhor alternativa.
Eu tenho diversas ressalvas quanto a real eficácia desse modelo – que privilegia grandes nomes e números – para o estímulo da cultura brasileira.
Como a decisão de investimento acaba por ficar com as empresas, uma vez que o governo apenas aprovava a quota de incentivo em porcentagem, sempre eram privilegiadas grandes montagens e espetáculos, fazendo com que o pequeno produtor – e quem deveria ser o foco mais importante para políticas governamentais – ficasse esquecido ou não tão atrativo para a empresa destinar seu incentivo fiscal.
No final, o importante aqui é que se volte a ter mecanismos de isenção fiscal ou outros tipos de incentivos para que as empresas destinem mais e mais recursos à cultura do país de forma descentralizada e que privilegie as produções fora do mercado do Sudeste.
Seria interessante ser agressivo neste tópico, com o surgimento de políticas públicas que, até então, nunca vimos no país, de forma a criar uma nova cultura e dinâmica de investimento em arte no Brasil.
O que me leva ao próximo ponto…
7 – taxação de grandes fortunas
“Comunista”, “Vai para Cuba”, “Quer que o país se torne uma Venezuela”, pode-se escutar aos gritos quando surge esse tópico.
Mas, sejamos sinceros, ninguém precisa de tanto dinheiro para viver, especialmente em um país com desigualdades gritantes.
Em um levantamento feito pela Forbes em 2022, acredita-se que haja 290 – isso mesmo, DUZENTOS E NOVENTA – bilionários no Brasil.
Pense que 1 bilhão de reais são mil milhões, como se fala aqui em Portugal.
Mil Milhões são muitos milhões para uma pessoa só ter.
Mas a lista dos 10 maiores bilionários mostra que somente esse seleto grupo tem muito mais do que apenas 1 bilhão.
Para quê tanto dinheiro? E, se uma pessoa tem o direito de ter isso, por quê não reverter uma parte para o setor cultural, por exemplo?
Para se ter ideia, o orçamento do Ministério da Cultura antes do golpe de 2016 era de 1,23 bilhão de reais para cuidar do país inteiro.
Ou seja, muuuuito menos do que um único bilionário da lista da Forbes possui.
A ideia da taxação de fortunas não é proibir o lucro ou impedir o capitalismo de existir – embora seria bom pensar em outras alternativas mais inclusivas…
O objetivo é redistribuir os impostos já recolhidos pelo governo por meio da lógica de quem ganha mais, paga mais, similar com o que acontece em diversos países europeus.
Hoje o que acontece no Brasil é praticamente o oposto: quem ganha menos, paga mais; quem ganha mais, paga nada!
Só para se ter uma ideia, em um exercício beeeem hipotético – não estou dizendo que a taxação deva ser assim –, se pegarmos o maior bilionário do país escolhido pela Forbes, que acumula uma fortuna de 72 bilhões de reais, e apenas 1% da fortuna dele fosse destinado à cultura, se teriam 720 milhões de reais entrando diretamente na produção artística do país, quase dois terços do orçamento do Ministério em 2016.
E para quem acha que isso é coisa de petista, comunista, etc, saiba que, na verdade, a taxação de fortuna já está contemplada na Constituição brasileira.
Sim, desde 1988, no artigo 153, inciso VII, prevê-se a taxação de grandes fortunas.
A lei, porém, não é aplicada ainda pois falta uma lei complementar para regular quais as formas e as alíquotas para a coleta do tributo.
Deixo essa ideia no ar para irmos para o último tema que seria interessante ver no Ministério da Cultura.
8 – não ter nostalgia
Eu sei, parece idiota, mas o trauma de perder um governo democrático tão sorrateiramente faz com que o desejo de voltar ao que era mais forte do que podemos controlar.
Dá vontade de ver tudo de volta no lugar como foi deixado para que possamos caminhar no mesmo trajeto que antes.
Mas, além disso não ser possível já que houve uma mudança gritante na sociedade desde o golpe, agora com a zona que a casa está, é a hora de projetarmos para o futuro que queremos, e não reviver um passado que já não existe mais.
O slogan do governo de transição, bem acertadamente, é “Brasil do Futuro”.
É o momento de imaginarmos onde gostaríamos de entrar e como fazer para chegar lá; mudar os erros e estruturas antigas e focar no porvir, em um futuro que será mais interessante para todes nós.
Tentar retomar o que era antes pode ser muito perigoso para os próximos anos e até os próximos governos.
Até por isso que a administração do novo Ministério da Cultura deve contemplar exatamente isso: ser um respiro, um jato de ar em uma situação completamente sufocada pela destruição feita até agora no setor, contratando pessoas e discutindo temas que demonstrem que o governo está antenado com as discussões atuais.
E com isso, fecho essa lista com um alívio de poder brincar de imaginar, de voltar a discutir as políticas públicas com interlocutores que querem nos escutar.
Nossa, que alívio!